terça-feira, 29 de setembro de 2009

O Reino sem risadas

O ouro se amontoava oriundo de grandes conquistas. A prosperidade era presente, mas trazia consigo a apatia, a impotência de se perceber tão dependente daquele ouro e de perceber que mesmo toda a riqueza não poderia cancelar os momentos de tristeza do porvir ou a inevitável morte e o fim de tudo.

- De que adianta ter se o futuro é morrer? - questiona um habitante do reino. E o que posso lhe dizer? Não lhe posso negar a razão e nem lhe presentear com placebos existenciais como a fé e a esperança.

Naquele reino ninguém dava risadas, ninguém achava graça. Naquele reino, a riqueza trazia consigo a sabedoria e a consciência de que nada faz sentido. Ando pelas vilas e caminhos do reino e não posso me furtar de exprimir o vazio que preenche o espaço que deveria ser ocupado pela vontade. No reino, me sinto deprimido porque percebo que sinto vontade de dormir apenas para poder sonhar e perceber que não importam as conquistas porque a realidade sempre será a mera realidade perto do mundo inalcançável dos sonhos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Travessia serena pelas sombras

Melancolia, tristeza e nostalgia, mas uma nostalgia orfã, saudades daquilo que existiu apenas em pensamento porque a realmente é sempre mais crua do que a capacidade de fantasiar e anestesiar de nossa mente, dopando nossas sensações. Esta é a paisagem da travessia serena pelas sombras, cujo chão é coberto de lágrimas e o céu é estrelado e repleto de estrelas cadentes desprovidas de esperança.

Não há nada para se fazer nesta travessia senão observar, olhar ao redor com a dolorosa consciência de que a vida é finita e deve ser intensa. Não quero que ela se finde, não durante a longa travessia por este vale tão pesaroso, mas não há qualquer escolha, é como quando você é um garoto em um carro durante uma viagem chuvosa, no banco traseiro. As gotas atravessam o vidro, todas elas acabam por se dissipar durante a travessia, mas nunca se sabe em qual parte delas. Somos apenas gotas que no início nos sentimentos protegidos em uma nuvem ou junto de outras gotas e nos percebemos sozinhos, atraídos por uma trama desencadeada sem escolhas pela força da gravidade.

Nesta caminhada o desânimo se pega pelo ar de maneira quase inevitável. Os revézes se amontoam e falam alto, ganham a magnitude e a imponência de grandes construções inquebráveis que possuem a desolação como estilo padrão.

- Por que a travessia não termina?

- Não pergunte, apenas curta cada pequeno detalhe cada grão que espezinha como agulha ao som inseparável da rádio novela mais longa da história, transmitida em ritmo cadenciado porém infalivelmente contínuo em loop dando voltas e voltas sem pressa, doentío, imparável e perturbador de tal modo que quando dormir seus sonhos serão a continuação dela e quando acordar, perceberá que o pesadelo permanece. Não há para onde ir, apenas espere, apenas aprenda a curtir tudo isso.

...E segue a travessia pelas sombras. Mas não se preocupe tanto, eu sou tua companhia e sempre serei enquanto existires.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O brilho

O brilho se foi. Muralhas em ruínas, intermináveis ruínas, constróem o cenário acinzentado no qual se ouve o mais irritante silêncio, perturbador como um estridente ruído. Me desculpem se não posso retratar de maneira mais poética tão desolado retrato. Não creio que tenha o poder das palavras e o ar que exala áridez criativa não me permite dizer mais.

O brilho se foi. Terá mesmo existido algum brilho ou ele existia apenas nos olhos e na mente daqueles que enxergavam em uma situação tão momentânea e comum na história humana algo extraordinário?

Neste caso, embora a guerra tenha sido dura, seus desdobramentos já estavam traçados? Os previsíveis resultados de um confronto onde eles pularam entusiasticamente nas mãos de seus algozes com os quais apenas puderam desfrutar de pequenos e valiosos momentos de bonança.

Acontece que mesmo a queda é uma situação conjuntural tal como as nuvens que se movem, montando e desmanchando até mesmo os climas mais profundos. Se os desdobramentos estavam traçados, os próximos também estarão e se havia algum brilho ou não, dirão as nuvens ao cair deste tenebroso dia quando se descortinarem para o espetáculo perene das estrelas.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Um deserto de imaginação

As ideias estão escassas, a mente esgotada e sem lampejos. A espera involuntária não se sabe do quê para que se possa sair do deserto de imaginação. A página em branco teima em não permitir comunicação. Ela é vasta, árida e a percorro sem qualquer plano. Para onde grito por alguma ajuda, só ecoam clichês. Nada é inédito, em todas as direções, pegadas. Sensações e sentimentos levados até a total exaustão e a completa esterilização, apenas simulacros de um código de sobrevivência humana.

O que estou fazendo? Nada do que disse me é novidade. Onde quero chegar? Este é o ponto: se soubéssemos não daríamos tantas voltar em torno das mesmas crises e das mesmas questões. É a sina de ser humano e sujeito à instabilidade mesmo no âmago do racionalismo. Estou somente triste. Não se pode evitar e nem se deve: a tristeza aos níveis mais subterâneos apenas faz a alegria cíclica parecer existir nos níveis mais elevados.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Olhos de TV

Prólogo

Não se sabe exatamente em qual parte do globo, um apartamento confortável. Era domingo à noite. Um rapaz de uns 19 anos chamado Yuri, talvez um pouco mais, assistia um filme. Nos sofás e poltronas da sala, seus pais e irmãos. Uma cena normal, familiar. Chegando mais perto, porém, enxergam-se lágrimas nos olhos do garoto e uma expressão contida de desespero, agonia, confusão. Rapidamente ele olha para os lados. Todos estão vendo o filme, tranquilos e felizes, mas ele não consegue tocá-los. É como se não estivessem na mesma dimensão.

Sua mãe oferece pipocas com manteiga. Ele prova. É como se estivesse comendo ar. A pipoca não tem gosto. É como se não estivesse comendo nada. O refrigerante que a acompanha, é como se evaporasse da boca. "O que está acontecendo?", pensava ele. Retira de seu bolso um drops de cereja e, felizmente, tinha gosto de drops de cereja! Enquanto chupa a bala, prossegue olhando para a tela. Aos poucos, é como se tudo ao seu redor estivesse se desfazendo. Você já teve esta sensação? É como olhar um ponto luminoso fixo, que era a TV, enquanto tudo ao redor se desfaz no ponto cego da vista. Ele, no entanto, preferiu não tirar o olho da tela. Temia o que seus olhos poderiam mostrar.

Parte I - Assustadora vida feliz

Na tela da TV, passava um filme indicado para toda família, um enlatado, um "blockbuster" como dizem. O protagonista era jovem e elegante. No decorrer do filme, ele enfrenta desafios como em praticamente todos os filmes deste estilo e tão previsivel quanto isso: ele os vence. Neste meio tempo, encontra uma jovem e se interessa por ela. Na metade final do filme, há uma grande perda - alguém morre ou ele precisa renunciar a algo e em contrapartida, ganha o amor da jovem e tudo acaba bem, como sempre. Ou melhor, quase tudo. Bem perto do fim, vemos o protagonista fazer algo que não parecia previsto no script. Vamos olhar um pouco mais de perto.

O protagonista não parece tão feliz. Ele tem uma expressão de impotência e reaje aos outros com espanto, parece os evitar e não consegue. É como se estivesse sendo empurrado pelo desenrolar do enredo. Encontra-se com a jovem, que o beija e não deixa qualquer impressão em sua boca. Ele sequer reaje. Após isso, tira de sua boca um drops e olha para adiante de tudo, como se pudesse assistir sua família parada e sentada em sofás e poltronas. Ironicamente, eles não podem ver que nosso protagonista os está vendo. A tela preta e as letras de crédito tomam conta da televisão.

Parte II - Criatividade árida

O jovem protagonista, Yuri, vê tudo escurecer e um novo cenário surge. Agora, ele é um adolescente chamado Andy em meio aos amigos com espírito aventureiro, que estão planejando passar as férias numa casa de praia. Momentos depois, já estão lá. Um deles , apelidado de Mike era particularmente irritante e fazia o comentário mais impertinente possível a todo instante, seja sendo vulgar com as garotas da "turma", seja exalando uma forçosa prepotência travestida em uma simpatia chauvinista. Yuri, à respeito deste sujeito, pensava: "eu ficaria feliz se este cara simplesmente sumisse".

Instantes depois, Mike é encontrado morto, misteriosamente assassinado. Uma das garotas reaje feito uma histérica gritando de maneira desesperada, enquanto nosso protagonista apenas olha espantado a realização de seu desejo, imaginando se havia relação entre seu desejo e a morte. Olha com expressão de misericórdia para a garota histérica, mas nota que ela é bastante superficial, apenas está gritando frases como "não pode ser!" "como isso foi acontecer?". Apenas está fazendo escandalo, mas é como um escândalo niilista de quem apenas não quer passar a impressão de ser insensível. Nota então que todos da turma parecem representar papéis superficiais e percebe que logo em breve, a histérica morreria, depois um por um dos demais, exceto uma das garotas que parecia dar mole para ele. A história se repetiria, afinal! Não importa qual o pano de fundo, qual o gênero se é que se pode diferenciar estes filmes em gêneros, alguns aspectos básicos iriam sempre se repetir e faria tudo previsível, tudo vazio.

Aqueas pessoas, entendeu ele, aquelas a sua volta chorando a morte do amigo, não podiam deixar de ser superficiais porque estavam marcadas para morrer. Olhou para fora da tela e viu expressões faciais de satisfação, de expectadores que esperavam por estas cenas e resolveu que aquele dia não poderia ter final feliz. Talvez só assim, conseguiria sair de sua sina repetitiva, de seu circulo vicioso alimentado pela satisfação de espectadores cujo espírito repetitivo era alimentado por filmes que, em seu âmago, eram todos iguais.

Durante toda a trama, procurou o assassino e queria ser morto por ele. Quando o encontrou, provocou até levar um tiro e caiu, perdendo a consciência aos poucos e se sentindo satisfeito, feliz por se livrar de seu circulo vicioso.

Parte III - Marcado para viver

Era um quarto confortável e bonito. A visão voltava aos poucos, assim como os outros sentidos. Procurava lembrar como veio parar ali e então percebeu: seu plano falhou. Milagrosamente sobreviveu. O tiro pegou de raspão. Uma das garotas da turma dizia a um dos caras que o protagonista retomou a consciência e havia jurado vingança. "O que? Minha atitude foi englobada no script? Não pode ser!" Resolveu então deixar tudo rolar, até o final feliz. Não havia mais nada a fazer, a não ser aturar a felicidade programada.

Assim foi em sucessivos filmes. Alguns eram comédias românticas ou apenas de idiotices, outros eram pseudo-dramas, outros eram suspenses e todos eram iguais. Ele sobrevivera a todos, encontrava uma namorada em quase todos e enfrentava desafios guiados sempre por um pano de fundo maniqueísta. Por mais que tentasse ser mal, era sempre bom e do bem.

Em um destes filmes, estava em uma lanchonete. Olhou ao redor e percebeu que estava com mais quatro "amigos" que combinavam de ir ao boliche. Tanto na lanchonete como no boliche, percebbeu cada vez mais como as frases de efeito retirada de músicas de sucesso ou com mensagens politicamente corretas, as poses, em especial poses repetitivas para tirar foto, com sinal de "V", de positivo, os sorrisos sempre iguais eram extremamente irritantes. Após tudo isto, Yuri, nosso protagonista foi para "sua casa" e após algumas cenas, se viu no sofá assistindo a um filme com "sua família" e pensou: "um filme dentro de um filme destes deve ser realmente uma bosta". Já perto do final do filme, um final feliz, um beijo entre os dois protagonistas seguido de uma fala da 'mocinha': "que delícia!" e então o mocinho tira algo da boca e mostra dizendo: "gostou do meu sabor cereja?"...

...Escuridão...

Yuri sentiu um dejavú. Foi como se levasse um choque que o acordasse de um transe percebendo que ele era aquele protagonista e que seu ato espontâneo de tirar a bala da boca no primeiro filme não fora espontâneo, estava programado no roteiro. Percebeu que suas ações estavam condicionadas. Não poderia viver livre, mas também não poderia morrer como o protagonista. Estava marcado para viver.

Sabendo que não podia mais fazer nada, mas que não aguentava mais ficar ali e assistir aquele dejavú, levantou e caminhou para fora da sala. "Sua família" não esboçou reação, exceto por sua mãe que, em um tom carinhoso disfarçando uma atitude policialesca disse: "onde vai, querido?". Ele a fitou por alguns instantes e seguiu o diálogo:

- "eu apenas vou dar uma volta..."
Ela respondeu com um sorriso. - "dar uma volta onde? Não quer a nossa companhia?"
- "Sim, eu quero. É que eu já assisti a este filme"
- "Não. Este é inédito, este é o '3', você deve ter assistido aos dois primeiros, vai perder o final?"
- "faz alguma diferença?" - e pensou consigo mesmo, "eu assisti por dentro, no fundo, não importa" e saiu.

Na rua, já bem tarde, foi até uma loja de conveniência. Lá, estava bebendo umas cervejas sozinho. De repente o local foi atacado por bandidos armados que renderam todos. Yuri resolveu reagir, afinal, o mocinho não morre mesmo e ele queria beber tranquilo. "Você é insano?" disse o bandido."Vamos, atire. Eu vou chamar a polícia se vocês não sairem". E ante o olhar assustado dos bandidos foi até o telefone, quando pegou o aparelho, tomou um tiro no braço e virou rapidamente para os assaltantes com um olhar de confiança. Em seguida, tomou três tiros que pegaram regiões de sua barriga e perto de seu peito. Os bandidos se assustaram e fugiram levando qualquer coisa pelo caminho. Ao cair em seus últimos suspiros, nosso protagonista percebeu uma televisão ligada e via os instantes finais do filme. A 'mocinha' chorava a morte do 'mocinho' dizendo "por que você tinha que ir? Não podia apenas ficar em casa?". Neste mesmo instante, a mãe, em casa, desligava a televisão ao final do filme e disse aos outros: "Pena que oYuri saiu, perdeu um grande filme, grande final. Talvez ele não soubesse e por isso mesmo saiu, mas os protagonistas às vezes morrem no fim".